TEXTO PREPARATÓRIO À UMA PROPOSTA DE ESTRATÉGIA DE SEGURANÇA NACIONAL PARA O BRASIL

A ideia da apresentação do texto Estratégia do Brasil é promover a discussão sobre o Brasil no mundo. O texto é mais amplo do que a Política Nacional de Defesa e a Estratégia Nacional de Defesa e pretende discutir o lugar do Brasil no cenário internacional, segundo os objetivos nacionais internos e externos, com visão estratégica de médio e longo prazo, acima de interesses ideológicos, políticos, setoriais e individuais.

Levando em conta as transformações que estão ocorrendo no mundo, o documento segue a estrutura de trabalhos semelhantes da Alemanha, EUA, Reino Unido, Índia, entre outros.

Embaixador Rubens Barbosa

Presidente do CEDESEN

UMA ABORDAGEM PARA CONCEPÇÃO DE UMA ESTRATÉGIA DE SEGURANÇA NACIONAL PARA O BRASIL

Eduardo Siqueira Brick, PhD. 
Professor Titular (aposentado) da Universidade Federal Fluminense (UFF) Membro Titular da Academia Nacional de Engenharia (ANE) Membro do Conselho Consultivo do Centro de Defesa & Segurança Nacional (CEDESEN) Pesquisador do Núcleo de Estudos de Defesa, Inovação, Capacitação e Competitividade Industrial (UFFDEFESA)

  • 1. AGRADECIMENTO E DESRESPONSABILIZAÇÃO

Este trabalho recebeu valiosas críticas e sugestões dos colegas do CEDESEN Marcos José Barbieri Ferreira e José Augusto Correa, que foram fundamentais para a correção de erros e aprimoramento da qualidade do texto. Parte do texto, que trata de uma justificativa para a necessidade de se ter uma Estratégia de Segurança Nacional, se baseou em documento interno para discussão, elaborado pelo Embaixador Rubens Barbosa. Essa parte do texto encontra-se na página 4 e está identificada em nota de rodapé.
Entretanto, todas as ideias apresentadas são de exclusiva responsabilidade do autor.
A motivação para a elaboração deste texto surgiu de uma iniciativa da Direção do CEDESEN no sentido de apresentar à sociedade um documento sobre uma Estratégia de Segurança Nacional para o Brasil, que refletiria a posição do centro sobre este tema. Entretanto, como fruto de discussões internas sobre dois textos elaborados para este fim, decidiu-se que o CEDESEN passaria a disponibilizar, para o público, trabalhos elaborados por seus membros, com a ressalva de que seriam de inteira responsabilidade dos autores. sem qualquer endosso por parte do Centro. Dessa forma, o CEDESEN estaria cumprindo o seu papel de centro de pensamento (Think Tank) e, assim, contribuindo para discussões públicas de ideias (conceitos, diagnósticos e propostas) sobre temas relacionados aos seus objetivos principais: Defesa e Segurança Nacional. O autor agradece ao CEDESEN por essa iniciativa.

2. INTRODUÇÃO

Todos os caminhos estão errados quando você não sabe aonde quer chegar.
(William Shakespeare)

Diversos países elaboraram documentos abordando questões de defesa e segurança de uma forma integrada. Entretanto, esses documentos refletem as peculiaridades das situações e desafios por eles enfrentados e, também, o nível de desenvolvimento econômico, cultural e social de cada um. Dessa forma, embora possam oferecer subsídios para a elaboração de um documento dessa natureza, adaptado às condições brasileiras, certamente não poderiam servir de base para esse trabalho.

Tendo em vista essa dificuldade, este documento tem como principal propósito apresentar ideias sobre uma possível abordagem para elaborar um documento sobre uma Estratégia de Segurança Nacional, adequada à realidade e desafios brasileiros. Em particular, ele está voltado para identificar tipos de contingências que possam vir a ser consideradas ameaças à Segurança Nacional e, assim, devam ser objeto de atenção e merecer uma resposta por parte da sociedade.

Para tornar mais claro o entendimento desse formato, foi feito um exercício, não exaustivo, de formulação de uma Estratégia de Segurança Nacional para o Brasil, a partir de uma visão particular do autor. A intenção foi a de exemplificar a aplicação abordagem sugerida e, não, apresentar uma proposta final a ser discutida pela sociedade.

Entretanto, a parte substantiva do texto, que trata do conteúdo de uma Estratégia de Segurança Nacional para o Brasil, que é de exclusiva responsabilidade do autor, também poderá ser objeto de análises e críticas e, eventualmente, ser aproveitada para elaboração de um documento dessa natureza a ser futuramente discutido por autoridades dos poderes Executivo e Legislativo.

3. SEGURANÇA NACIONAL: PARA QUEM, PARA QUÊ, CONTRA QUEM e COMO?

Estratégia é a ciência e a arte de desenvolver, sustentar e utilizar o poder de uma unidade política ou coligação, a fim de se atingirem objetivos políticos que suscitam ou podem suscitar a hostilidade de uma outra unidade política num ambiente admitido como conflituoso ou competitivo.
(Adaptação de definição de Abel Cabral Couto)

Na sua origem, o termo estratégia se aplicava exclusivamente a situações em que a sobrevivência de uma unidade política estava em risco por ações desenvolvidas por atores estatais externos. O significado do termo acabou sendo expandido para incluir praticamente qualquer atividade humana (na economia, nos esportes, na política, etc.).

Assim, uma Estratégia de Segurança Nacional (ESN), embora mantendo o mesmo enfoque no enfrentamento de ameaças aos objetivos políticos nacionais em risco, deve alargar o conceito do que seriam as unidades políticas a serem consideradas. Para fins de concepção de uma estratégia de segurança nacional, o conceito de unidade política deve ser expandido para incluir todas as organizações, mesmo as que sejam privadas, formais (principalmente as financiadas por recursos estrangeiros, para defender agendas prioritariamente de seus interesses) ou informais (principalmente as dedicadas a atividades criminosas), ou governamentais multilaterais, que de alguma forma se contraponham aos objetivos políticos considerados vitais e inegociáveis pelo país
Estratégia também pode ser interpretada de duas maneiras. Como o processo para desenvolver e sustentar o poder, como definido no caput, ou como o resultado da aplicação desse processo, expresso na forma de um encadeamento de ações ao longo do tempo, cada uma delas conduzindo a um estágio intermediário que levará aos objetivos finais. A Estratégia Nacional de Defesa (END), por exemplo, se encaixa nessa última interpretação. Este documento (ESN) também tem a mesma característica.

Neste texto, a interpretação de estratégia como processo, que consta da definição no caput, será usada com o alargamento do conceito de ameaças, para que se consiga chegar a uma ESN adequada ao momento histórico e contexto em que o Brasil está inserido. Surgem, então, algumas questões importantes.

Quais seriam os objetivos políticos, que são inegociáveis para o Brasil, e que podem vir a ser, ou já estão sendo, objeto de ações hostis por outras unidades políticas?

O fato de existirem objetivos políticos que devem ser protegidos contra ameaças de várias naturezas, já pressupõe que exista uma estratégia mais ampla que os defina. O termo Grande Estratégia tem sido utilizado para esse fim. Uma Grande Estratégia depende de um projeto de país que defina uma situação futura onde se quer chegar. Essa situação futura é o ponto de partida para a concepção de qualquer estratégia, inclusive a que está sendo tratada neste texto. Sem essa definição, qualquer estratégia será inócua e vazia, pois afastada dos concretos interesses e objetivos nacionais e, também, de materialidade.

Uma Grande Estratégia é de natureza multidimensional e inclui muitos aspectos: nível de renda e qualidade de vida da população, garantia de diretos básicos aos cidadãos (principalmente o direito à vida e à liberdade, em todos as suas dimensões), desenvolvimento econômico, em especial industrial e tecnológico, eliminação ou mitigação dos efeitos da pobreza, redução das desigualdades, seguranças externa, pública, energética, alimentar, de saúde, jurídica, dos processos para escolha democrática de representantes do povo, entre outros. Todos esses aspectos, e outros não mencionados, devem ser considerados em uma Grande Estratégia.

Como se pode ver na relação acima, existem objetivos que dizem respeito aos indivíduos (cidadãos) e, outros, ao país como um todo. Os primeiros, obviamente, devem estar no topo da hierarquia de prioridades do Estado, porque essa é a sua finalidade última e razão de existir. É o Estado que deve servir ao cidadão e, não, o contrário. O país, ou nação, é uma entidade abstrata, que nada mais é do que união de povo, território e as instituições criadas (que formam o Estado) para permitir que as pessoas possam conviver em segurança e harmonia nesse território e não tenham impedimentos para buscar atingir seus objetivos e defender e preservar seus valores e princípios. Entretanto, como postulou Fredrich List, a qualidade de vida dos indivíduos está correlacionada com o sucesso de seu país. Portanto, objetivos políticos relacionados ao país como um todo também são extremante importantes.

Uma estratégia, por definição, deve apontar os passos necessários para se chegar ao resultado almejado. E, isso, implica na definição de um estado futuro, um planejamento para alcançá-lo, que envolva estados intermediários que conduzam ao estado final e os prazos para transformá-los em realidade. Uma metáfora útil para explicar essa característica de uma estratégia, é compará-la com uma escada, em que cada degrau representa um estado intermediário a ser alcançado em um intervalo de tempo e o topo é o resultado final, ou estado onde se deseja chegar ao final da jornada.

Ora, o Brasil encontra-se claramente em uma encruzilhada, em que terá de optar por objetivos e caminhos, muitas vezes antagônicos, que são propostos pelas diferentes visões de mundo que dividem a sociedade brasileira. Com base em pesquisas de opinião, duas dessas visões são majoritárias: a da direita/conservadora e a da esquerda/progressista, ocupando, cada uma, cerca de um terço da população. O outro terço é composto por pessoas que não tem visão formada, ou outras visões minoritárias. Uma dessas visões minoritárias é a visão de mundo, dita liberal, que goza de grande respaldo em alguns setores, em particular em parte da mídia, da academia, de partidos políticos e do empresariado financeiro. Portanto, tem muita influência no debate público.

Este é um processo ainda em curso, que está longe de terminar. Portanto, é ainda inviável a construção de um projeto de pais (pois existe grande divisão em relação ao estado final desejável) e, consequentemente, faltam os pré-requisitos para a formulação de uma Grande Estratégia para materializá-lo. Este estado de coisas talvez seja o maior obstáculo para que objetivos nacionais vitais sejam definidos e possam ser alcançados. Portanto, não é exagero afirmar que a solução desse problema é uma questão extremamente relevante e prioritária de segurança nacional.
Esbarramos, então, em um dilema. Como formular uma Estratégia de Segurança Nacional, se não existe um projeto de país, nem uma Grande Estratégia para materializá-lo?

A única solução possível é adotar, como premissa, alguns objetivos que possam ser encampados, mesmo com algumas restrições, por parte significativa da sociedade, até mesmo

por aqueles que militam em campos ideológicos antagônicos. Esse seria um primeiro passo de uma estratégia voltada para a pacificação do país e criação das condições mínimas para que se possa pensar em um projeto de país e uma Grande Estratégia para torná-lo realidade.
Por ser essencial para a elaboração de uma Estratégia de Segurança Nacional, algumas premissas serão postuladas na seção 4. Essa seção procurará definir os objetivos políticos que devem ser considerados. Em última análise, procurará definir os beneficiários dessa estratégia. Ou seja, responder às perguntas, estratégia para quem e para quê?

Outra questão importante diz respeito às ameaças que devem ser consideradas, tendo em vista que não se pode falar em segurança sem nominá-las. Portanto, é essencial identificar contra quem deverão ser concebidas ações que visem dar segurança aos beneficiários dessas ações. Este tópico será abordado na seção 5, que abordará a questão:

Quais seriam as ameaças, atuais ou futuras, que desenvolvem, ou poderão vir desenvolver, ações contrárias ao alcance dos objetivos políticos que são inegociáveis para o Brasil?

Adicionalmente, não adianta falar em ameaças, sem que se identifique quais são os instrumentos que o Estado deve dispor para enfrentá-las. Ou seja, como o Estado deve se organizar e quais recursos devem ser criados e/ou usados para executar as ações voltadas para dar segurança. Ou seja, não é suficiente fazer um diagnóstico do problema sem propor uma solução. Este tópico será abordado na seção 6, que procurará responder à questão:

Quais seriam os Instrumentos de que o país pode dispor para desenvolver ações para se contrapor a essas ameaças e garantir o alcance desses objetivos políticos?

Para finalizar, cabe aqui uma justificativa para a necessidade de se ter uma Estratégia de Segurança Nacional1.
Grandes potências possuem estratégias, visando defender seus interesses através de atuação proativa no sistema internacional. Algumas delas transparentes, outras de forma mais disfarçada, segundo seus objetivos: alguns destes se chocam com a estrutura essencialmente multilateral, na presente fase das relações internacionais, regida teoricamente pela Carta da ONU e o aparato construído em torno dela nos últimos 80 anos. A estratégia dos Estados Unidos é relativamente aberta e conhecida, e o país não hesita em se opor ao multilateralismo quando seus interesses maiores estão em jogo. Aliás, nenhum país sério, que almeje o pleno desenvolvimento e o bem-estar de seus cidadãos, hesitaria em fazer o mesmo. Rússia e China certamente também possuem as suas, menos transparentes, uma vez que disputam espaços estratégicos com o atual país hegemônico. A União Europeia (EU) ainda não conseguiu unificar adequadamente sua estrutura política, institucional e operacional para entrar no grande jogo e afirmar seus maiores interesses. Mas, ainda que uma construção incompleta, a UE não deixa de atuar em outros países para fazer prevalecer seus interesses que já foram objeto de um consenso mínimo entre seus membros. Em relação ao Brasil, em particular, essa atuação é muito presente, na imposição de regras na questão climática e no ataque ao agro negócio brasileiro, que é um formidável competidor de produtores europeus, por exemplo.
O Brasil não é uma grande potência, mas uma potência emergente, e, por isso, falar em uma estratégia para atuar proativamente no Sistema Internacional pode parecer pretensioso

1 Os dois primeiros parágrafos abaixo foram baseados em trabalho para discussão interna no CEDESEN preparado pelo Embaixador Rubens Barbosa

demais para um país que enfrenta problemas sobretudo de ordem interna. Essa grande fragilidade impede o país de poder se qualificar para ser um ator construtivo, ativo e um agente plenamente participativo da agenda internacional, em especial numa fase da política internacional marcada pela crescente tensão entre as grandes potências.

Entretanto, se o país ainda não tem condições materiais, proporcionadas por um poder efetivo para atuar de forma proativa para defender seus interesses no sistema Internacional, ele não pode deixar de ter estratégias para desenvolver uma capacidade para atuar proativamente no futuro e, também, para se defender da atuação, no presente, de atores que busquem contrariar interesses nacionais e tentem se opor ao desenvolvimento dessas capacidades que o país almeja possuir.

O documento Estratégia de Segurança Nacional para o Brasil não pretende esgotar todos os desafios colocados presentemente à Nação. Uma estratégia desse tipo busca contribuir para a realização de objetivos nacionais prioritários (sintetizados na seção 4), que possam estar ameaçados por contingências criadas por ações teleológicas de atores que se opõem a esses objetivos, ou por eventos naturais, por meio de uma adequada combinação de meios, ou recursos, para atingir as finalidades pretendidas.

A Estratégia de Segurança Nacional apresenta uma visão mais ampla do que os atuais Política e Estratégia Nacional de Defesa e o Livro Branco de Defesa.

4. LIBERDADE, SOBERANIA E DESENVOLVIMENTO

Art. 5o Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo- se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(Constituição da República Federativa do Brasil, EC no 45/2004)

Uma Estratégia de Segurança Nacional deve estar voltada para proteger e assegurar valores, princípios, interesses e objetivos nacionais. Esses, são a base em que uma ESN deve se sustentar.

Segurança deve ser entendida como a garantia de que uma pessoa, ou coletividade, terá sua existência e integridade física garantidas e de que não sofrerá impedimentos, por parte de terceiros, para preservar princípios e valores, que lhe são caros, e desenvolver atividades voltadas para alcançar objetivos que, soberanamente, tiver estabelecido para si.

O objeto principal de uma ESN deve ser o indivíduo, o cidadão brasileiro. Isso está contemplado na Constituição brasileira, como se pode ver no extrato de seu artigo 5º, colocado no caput desta seção.

Portanto, a segurança, no nível dos indivíduos, não representa apenas um fim em si mesma. Ela se justifica, também, na medida em que é um pré-requisito para se conseguir outros objetivos, entre os quais aqueles que ocupam os mais altos postos na hierarquia de valores de qualquer ser humano. Entre esses se destacam a preservação da vida, integridade física e de suas propriedades; a liberdade para se expressar, se defender e desenvolver atividades econômicas para seu sustento e de sua família; e o desenvolvimento humano integral. Este último inclui, principalmente, saúde, educação capacitadora de competências para se autossustentar e prosperar, acesso a bens culturais e lazer.

Desenvolvimento humano integral depende de renda. Assim, elevar a renda dos cidadãos brasileiros deve ser um objetivo nacional importante. Nesse sentido, a eliminação a pobreza é um objetivo que assume caráter de urgência.

Elevação de renda, tanto para indivíduos que trabalhem com vínculos de emprego, quanto para os que empreendem por conta própria, depende de três principais componentes: execução de atividades econômicas capazes de gerar produtos e serviços de maior valor agregado (portanto, renda); ambiente econômico e institucional que possibilite a redução dos custos de produção e a ampliação da produtividade e o desenvolvimento da capacitação tecnológica. Capacitação, produtividade e custos competitivos em nível internacional são elementos fundamentais para competitividade e, esta, para geração de renda.

O primeiro e o último desses componentes dependem muito de um sistema educacional capaz de formar pessoas habilitadas a desenvolver essas atividades e do domínio das tecnologias adequadas. Portanto, esse deve ser um objetivo nacional com alto grau de prioridade.

O terceiro componente, ambiente econômico e institucional, depende de acesso ao capital com juros e prazos compatíveis, infraestrutura logística capaz de movimentar pessoas e cargas com rapidez e baixo custo, infraestrutura de comunicações de alta qualidade (rapidez, segurança e volume) e baixo custo, disponibilidade de energia a baixo custo, previsibilidade jurídica e regras simples e críveis, que sejam efetivamente cumpridas.

Evidentemente, os indivíduos vivem em sociedade e dela se nutrem. Dependem, também, de um território para viver e desenvolver suas atividades produtivas, de lazer e sociais. Povo, território e as instituições criadas para permitir que as pessoas possam conviver em harmonia nesse território, constituem um país, ou nação, que também precisa de segurança (proteção contra ações de terceiros) e desenvolvimento, para que possa proporcionar melhores condições para que os indivíduos alcancem seus objetivos.

Os objetivos nacionais de mais alto nível na hierarquia de valores de um país, que equivalem aos individuais, são, respectivamente, independência (sobrevivência e integridade territorial), soberania (capacidade para fazer escolhas próprias, a despeito de oposições externas) e desenvolvimento.
O desenvolvimento de um país, em última análise, é o que poderá proporcionar condições materiais para prover segurança no nível nacional e o alcance de todos os outros objetivos, tanto os individuais como os nacionais. É, também, a base para um poder efetivo, capaz de propiciar a possibilidade de um maior protagonismo do país no sistema internacional, de forma a criar condições mais favoráveis para que o desenvolvimento possa acontecer. Assim, desenvolvimento, poder e segurança nacional estão umbilicalmente relacionados.

Resumindo, uma estratégia de segurança nacional deve contemplar esses dois níveis de objeto de suas ações. No nível individual, segurança voltada para a preservação da vida e integridade física, garantir a liberdade, para se expressar, se defender e desenvolver atividades econômicas para seu sustento e de sua família e o desenvolvimento humano integral, sempre buscando uma redução da desigualdade. No nível nacional, segurança voltada para independência (com integridade territorial), soberania e desenvolvimento.

A Constituição da República Federativa do Brasil, denominada, muito apropriadamente, “Constituição Cidadã”, dá muitas garantias aos indivíduos. Essas garantias estão, em sua maior

parte, bem detalhadas no seu Artigo 5º. Algumas delas, mais diretamente relacionadas aos objetivos estabelecidos nesse documento, têm sido negadas, ultimamente, por alguns membros das próprias instituições nacionais, segundo a avaliação de eminentes figuras e expressivas parcelas da sociedade brasileira. Este é um sentimento que vem sendo detectado em sucessivas pesquisas de opinião. Esse é apenas um dos sintomas da grande divisão que ocorre hoje na sociedade brasileira. A justificativa dada, que muitos consideram uma quebra da ordem constitucional e legal, é que isso teria sido necessário para a defesa da democracia, ou, ainda, das instituições democráticas de direito. Ora, democracia é um termo abstrato e vago, que tem sido usado até mesmo pelos mais tirânicos regimes. Nenhum regime, por mais arbitrário e tirânico que seja, se considera antidemocrático. Portanto, a palavra democracia perdeu completamente o significado que conquistou na história das civilizações e no imaginário popular, de instituições baseadas em três poderes independentes e harmônicos. Na realidade, passou a ser um termo, não raro, usado para tentar encobrir situações contrárias ao que ele já representou.

Instituições democráticas são constructos humanos que só se legitimam se puderem garantir os objetivos, valores e princípios que o povo consagra. Ou seja, esses estão acima das instituições, e não subordinados a elas. O Artigo 1º da constituição, em seu Parágrafo Único, é bem explícito: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.
Ora, se quase tudo depende do que decidem representantes eleitos do povo, então, um pré-requisito para que a vontade do povo prevaleça e, dessa forma, um regime “democrático” possa ser considerado virtuoso, é que os processos para eleição dos seus representantes sejam transparentes, seguros e, não gerem, em parcela relevante da população, desconfianças quanto à sua confiabilidade. Se existe essa desconfiança, então a segurança nacional encontra-se ameaçada. Embora essa condição de confiabilidade do processo eleitoral possa não ser suficiente para garantir que um regime seja democrático, ela é absolutamente necessária. Se as instituições que o povo criou em sua constituição para defender esses valores não estão cumprindo esse papel, então elas não podem ser consideradas democráticas. Ao contrário, se tornam, elas próprias, ameaças aos indivíduos. Aliás, o mais comum na história da humanidade é o abuso de direitos e projetos de vida dos indivíduos pelas instituições que controlam o território onde vivem. Portanto, esse tipo de ameaça não pode ser descartado.

No nível nacional, independência e soberania também se encontram bem detalhados na Constituição da República Federativa do Brasil, principalmente nos Titulo I (Princípios Fundamentais) e Titulo II (Dos Direitos e Garantias Fundamentais). Entretanto, desenvolvimento aparece de uma maneira muito genérica no “Art 3o, inciso II – garantir o desenvolvimento nacional”.

Ora, o desenvolvimento nacional é justamente o resultado de um projeto de país e de uma Grande Estratégia, que ainda não existem. Falta definir o tipo de desenvolvimento (parte de um projeto de país) e como alcançá-lo (parte importante de uma Grande Estratégia).

Para escapar desse dilema, uma Estratégia de Segurança Nacional terá que assumir algumas premissas, tanto sobre o tipo de desenvolvimento desejável, quanto como ele poderá ser alcançado, para preencher essa lacuna existente. Ou seja, na ausência de um projeto de país e de uma Grande Estratégia para realizá-lo, uma Estratégia de Segurança Nacional terá que adotar algumas premissas para assumir, mesmo que parcialmente, e com menos profundidade, esse papel. A seção 4.1, a seguir, procurará definir algumas dessas premissas. Evidentemente,

elas terão que ser genéricas a apenas indicarem um caminho, sem detalhá-lo. Todavia, isso deve ser feito de uma maneira que seja possível identificar possíveis óbices e ameaças ao desenvolvimento nacional. Se isso não puder ser feito, nenhuma ESN que for concebida terá fundações sólidas capazes de sustentá-la e legitimá-la. A sessão que se segue procura apresentar um esboço do que poderia ser um projeto de país e de uma Grande Estratégia compatível com ele, para servir de base para este documento.
Entretanto, é preciso ressaltar que nenhum projeto de país, ou Grande Estratégia para materializá-lo, ou, mesmo, premissas para servir de base a uma ESN, poderão ser legitimados no ambiente de extrema divisão da população em relação aos objetivos nacionais.
Assim, resolver esse grave problema, pacificando o país e dando um tratamento isonômico a todas as correntes de opinião, é o primeiro passo de uma Grande Estratégia Nacional, independentemente de quais objetivos nacionais emerjam de um projeto de país.

4.1. PREMISSAS PARA O DESENVOLVIMENTO NACIONAL

Dado o primeiro passo de uma Grande Estratégia para o país, que é a pacificação, será possível pensar nos passos seguintes, inclusive nos necessários ao desenvolvimento econômico do país.

A economia nacional como um todo envolve três setores: primário, secundário e terciário. Todos são importantes, mas cada um possui peculiaridades próprias que merecem ser ressaltadas.

O setor primário abrange a agricultura, a pecuária, a caça, a pesca, e a extração de minerais e de madeira. Envolve, pois, as atividades de exploração direta dos recursos naturais com uma agregação de valor muito baixa. Do ponto de vista de geração de renda individual, tem uma capacidade variável, dependendo do tipo de envolvimento da pessoa com a atividade. É menor para pessoas que trabalham como empregados e pode ser bem maior para aqueles que são proprietários empreendedores. No Brasil, esse setor apresenta uma grande concentração em poucos e grandes proprietários, nas grandes empresas extrativas e nas holdings que operam a comercialização internacional dos produtos, muitas das quais de controle estrangeiro. Um setor primário baseado em concentração de produção em uma quantidade pequena de proprietários dos bens de produção, terá menor capacidade para a elevação da renda para uma quantidade grande de pessoas, do que aquele baseado em uma grande quantidade de pequenos e médios produtores. Além da importância, em si, dos produtos gerados pelo setor primário da economia, para a segurança alimentar da população e para o fornecimento de matérias primas para o setor secundário (importantes objetivos de uma ESN), ele proporciona dois benefícios adicionais. É importante fonte de exportação e geração de divisas e de recursos financeiros, parte dos quais deveriam ser canalizados para investimentos nos setores secundário e terciário. O processo de industrialização do estado de São Paulo, por exemplo, muito se beneficiou do capital gerado pela pujante agricultura paulista. O setor primário terá que ter, necessariamente, um papel central em qualquer Grande Estratégia para o Brasil.

Assim, dada a sua enorme importância para o desenvolvimento da economia do país e para a segurança alimentar de sua população, qualquer óbice, ou impedimento, ao uso soberano dos recursos naturais existentes no território brasileiro, deve ser tratado como ameaça.

O setor secundário (industrial) compreende todas as atividades de transformação de bens e divide-se em vários outros subsetores: construção civil, indústrias de produtos químicos, eletro-óptica, farmacêutica, eletromecânica, aeroespacial, de entretenimento, de produtos de defesa, alimentícia, de geração e distribuição de energia, de tratamento e distribuição de água, entre outros. Dada a elevada capacidade de geração de inovações e ampliação da produtividade, este setor tem enorme contribuição para a elevação do nível de renda da população e na geração de uma grande quantidade de postos de trabalho. Uma parcela desses subsetores, voltada para a produção de bens de alto valor agregado, baseados em altas e média altas tecnologias (farmacêutico, aeroespacial, eletro-óptico, entretenimento, por exemplo), é geradora de empregos capazes de proporcionar elevados salários, demandante de serviços de alta tecnologia (dinamizando o setor terciário) e, também, importante fonte de divisas para o país, via exportações. Portanto, só por esse motivo, devem ser considerados estratégicos, prioritários e ter tratamento diferenciado em um projeto de país. Adicionalmente, deve-se destacar que alguns desses subsetores são também vitais na construção dos instrumentos que o país terá que ter para garantir a segurança nacional. Indústrias de defesa, farmacêutica, de equipamentos de telecomunicações e de geração e distribuição de energia são fundamentais, respectivamente, para a segurança do país como um todo (garantia da independência e soberania), segurança da saúde da população, das comunicações e energética. Esses subsetores, em especial, merecem atenção ainda mais diferenciada por parte do Estado. A justificativa para sua existência não pode ser puramente econômica, devido à sua essencialidade para a segurança nacional.

O setor terciário se refere a todas as atividades econômicas que se caracterizam pela prestação de serviços (não produzem bens materiais), sendo assim bastante heterogêneo. De um lado inclui os importantes setores comercial, financeiro e, modernamente, de provedores de serviços de alto valor agregado, com destaque para os desenvolvedores de sistemas de tecnologia de informação e comunicação (TICs). Esse setor abrange o comércio eletrônico (de bens físicos, aluguéis de residências, oferta de meios de transporte, serviços financeiros, jogos, etc.) e exploração de redes sociais. Essas, apresentam receitas financeiras muito significativas, que colocam algumas empresas que exploram esses serviços no topo do ranking mundial, em termos de faturamento. A maior parte dessas receitas, entretanto, que é auferida de pessoas físicas e empresas brasileiras, fica no exterior e, também, gera poucos impostos no Brasil. Ou seja, contribuem pouco para a geração de renda no país, pois exercemos, principalmente, o papel de usuários e não o de desenvolvedores e provedores dos serviços. Por outro lado, esses serviços, indubitavelmente, contribuem para melhorar a qualidade de vida dos cidadãos e, em muitos casos, para um aumento de produtividade. Um outro aspecto importante a destacar, em relação às redes sociais, é que elas têm grande impacto direto na segurança nacional. Os provedores desses serviços têm uma enorme capacidade para influenciar nas decisões relacionadas a muitos aspectos da vida nacional: políticas públicas, aprovação de leis e, inclusive, resultados de eleições. Ao direcionar conteúdos e editar matérias, segundo critérios próprios, ou definidos por órgãos do Estado, possuem grande capacidade de interferir no debate público, e, portanto, em eleições para escolha de representantes da população, fazendo com que haja um desequilíbrio entre posições, fortalecendo umas e enfraquecendo outras. Dessa forma, podem contribuir para deturpar a democracia. Por outro lado, as redes sociais são importante instrumento para que o cidadão possa se informar sobre uma miríade de temas não cobertos pela mídia tradicional. Por meio dessas redes os cidadãos também podem defender seus pontos de vista e interesses, questionar membros de instituições do Estado e privadas, e expor suas opiniões, sem intermediações, da mídia, da política ou do governo. Esses, nem sempre estão

sintonizados e defendem interesses da população e, não raro, fazem exatamente o contrário. Portanto, a liberdade nas redes é um objetivo prioritário de uma ESN que tenha o cidadão como seu principal beneficiário, como é assumido aqui. Este setor, portanto, deve merecer uma atenção especial na ESN. De outro lado há uma ampla quantidade de serviços de baixíssima qualificação em uma ampla variedade de segmentos que têm grande potencial para significativas contribuições para o objetivo de elevação de renda da população, se passarem por processos de formalização e, principalmente, de qualificação da mão de obra, visando à execução de serviços de melhor qualidade e com aumento de produtividade.

Capacidade produtiva, em todos os três setores, é proporcionada por uma combinação de instalações, bens de capital, recursos humanos e tecnologia. O Brasil tem grande deficiência na produção de bens de capital e tem enorme dependência em tecnologias importadas. Isso representa uma enorme vulnerabilidade, que ameaça praticamente todos os objetivos nacionais. Portanto, a busca de uma maior autonomia em ambos fatores de produção é um objetivo nacional importante.

Tendo definido, de uma forma simplificada, onde desejamos chegar (o tipo de desenvolvimento) é preciso alinhavar um esboço de estratégia para realizar esse projeto nacional de desenvolvimento. Uma estratégia deve indicar os degraus intermediários que devem ser galgados, até se chegar ao estado final pretendido. Neste trabalho, será sugerido apenas um primeiro passo para uma grande estratégia.

Em linhas gerais, o primeiro passo da Grande Estratégia, que demandaria uma a duas décadas, envolveria as ações a seguir.
Incrementar, imediata e continuadamente, a produção do setor primário para gerar divisas e recursos financeiros, públicos (através de impostos, taxas e royalties) e privados (auferidos pelos produtores), para investimentos em capacidade produtiva em todos os três setores, com ênfase em tecnologia. Investir em educação de qualidade, equivalente às melhores em nível internacional, para qualificação de recursos humanos, principalmente nas disciplinas STEM (ciência, tecnologia, engenharia e matemática) em cursos de nível superior, de graduação e pós-graduação e nível médio, em áreas técnicas. Importante, também, uma educação voltada a formar cidadãos conscientes, responsáveis e dotados de capacidade crítica. Investir em infraestrutura logística para facilitar o transporte de produtos e pessoas e baratear custos. Investir em infraestrutura para geração e distribuição de energia, com custos competitivos a nível internacional. Investir em infraestrutura de comunicações, visando universalização desse serviço, com custos competitivos a nível internacional. Reduzir a burocracia, visando simplificar e baratear processos. Investir em saneamento básico e fornecimento de água tratada para melhorar a qualidade de vida da maior parte da população e melhorar a sua saúde. Adotar uma política industrial ativa para aumentar a competitividade internacional de todos os setores da economia, visando aumento de exportações e redução de custos para o consumidor brasileiro. Direcionar recursos nacionais (públicos e privados), usando os instrumentos que estiverem disponíveis (incentivos, investimentos diretos, etc.), para desenvolver os setores industriais estratégicos para o país. Em especial, defesa, fármacos, semicondutores, eletro-óptico, aeroespacial, bens de capital, etc.

O projeto de lei 1659/20242, do deputado Felipe Barros, trata desse último tema e elenca os seguintes setores como estratégicos e que, por isso, necessitam de um arcabouço legal para sua proteção:a) energia

  • b) transportes;
  • c) telecomunicações;
  • d) armamentos;
  • e) indústria aeroespacial;
  • f) extração de recursos naturais;
  • g) saneamento;
  • h) biotecnologia; e
  • i) medicamentos

Finalmente, mas não menos importante, adotar medidas que criem um ambiente propício à realização de negócios, que seja competitivo em relação aos melhores que existem em outros países, visando prioritariamente à atração e direcionamento da ampla massa de capital nacional para os investimentos produtivos e de infraestrutura, além da atração de investimentos externos.

Ao final dessa etapa, o Brasil teria uma economia com maior produtividade e mais competitiva em nível internacional, em uma quantidade significativamente maior de produtos do que tem hoje. Em especial em produtos industrializados. Teria um aumento significativo na quantidade e qualidade de pessoas formadas nas áreas STEM de nível superior e técnicas de nível médio. Teria uma melhora significativa na infraestrutura logística, energética e de comunicações, com custos competitivos em nível internacional. Teria avançado significativamente na universalização de serviços de água e esgoto. E teria criado uma nascente base industrial em áreas estratégicas para o país. Finalmente, a atração de recursos privados para investimentos produtivos e de infraestrutura, teria criado capacidade competitiva em muitos setores, alguns dos quais não se pode hoje prever.
Tudo aquilo que possa criar óbices para que essas condições e objetivos sejam alcançados deve ser considerado em uma ESN como uma possível ameaça ao desenvolvimento nacional.

5. AMEAÇAS AOS OBJETIVOS NACIONAIS

Há muitas coisas que desconhecemos. Na realidade, existem coisas das quais somos tão ignorantes, que nem mesmo sabemos que as desconhecemos (Donald Rumsfeld, ex Secretário de Defesa dos EUA. “Known and Unknown: A Memoir”.).
Existem coisas que acreditamos que conhecemos, mas, na verdade, desconhecemos (Collin S. Gray. Strategy&Defence Planning: meeting the Challenge of Uncertainty).

Embora o conceito de ameaça esteja normalmente associado a ações desencadeadas por um opositor racional, que busca alcançar objetivos próprios que conflitam com os objetivos

2 Estabelece o regime de salvaguarda, no âmbito de investimentos estrangeiros, de ativos estratégicos essenciais para garantir a defesa e soberania nacional e a segurança do aprovisionamento do país em serviços fundamentais para o interesse nacional, assim como regulamenta o recebimento de recursos estrangeiros pelas Organizações Não Governamentais.

nacionais, o termo também será usado para designar eventos naturais que tenham efeito semelhante.
As ameaças relacionadas a objetivos no nível individual são diferentes das que afetam objetivos a nível nacional. Por isso serão tratadas separadamente em seções diferentes.

5.1. AMEAÇAS AOS OBJETIVOS NACIONAIS RELACIONADOS AOS CIDADÃOS

Na seção 4 foram definidos os seguintes objetivos relacionados aos cidadãos: a preservação da vida, integridade física e de suas propriedades; a liberdade para se expressar, se defender e desenvolver atividades econômicas para seu sustento e de sua família; e o desenvolvimento humano integral. A elevação da renda da população é um objetivo prioritário, porque contribui muito para o desenvolvimento humano integral. Assim, é razoável procurar identificar ameaças que possam prejudicar o alcance desses objetivos.

5.1.1. Ameaças à vida, integridade física e propriedades dos cidadãos

As principais ameaças à vida, integridade física e propriedades dos cidadãos são:
a) as atividades criminosas (roubos, agressões, sequestros, estupros, assassinatos, invasões de propriedades urbanas e rurais, corrupção de agentes públicos, etc.). dentre essas, um apresenta um elevado grau de gravidade. Trata-se do domínio de partes do território nacional por organizações criminosas, com o uso de armas, a fim de explorar a população local;
b) as catástrofes naturais (inundações, deslizamentos, temporais, ventanias, ressacas, pandemias, etc);
c) os incêndios (naturais, involuntários ou criminosos);
d) os desmoronamentos de construções (por erros de projeto ou construção, por ações criminosas, por erro de operação, por omissão criminosa, ou por fadiga do material); e
e) as ações de agentes do Estado (voluntárias, para defender agendas próprias e contrárias as de parcelas relevantes da população, ou involuntárias, por imperícia, ou por erro, ou por omissão) em dissonância com os direitos dos cidadãos, garantidos pela constituição e pelas leis.

5.1.2. Ameaças à liberdade dos cidadãos

Como já enfatizado na seção 4, a constituição brasileira garante ampla liberdade aos cidadãos. Em particular, no seu Artigo 5o. Entretanto, existem muitas evidências de que inúmeros desses direitos constitucionais vem sendo negados nos últimos anos.
Apenas para exemplificar, seguem alguns dos direitos individuais previstos no Artigo 5º da Constituição, mais diretamente relacionados aos objetivos definidos neste texto, e que têm sido negados, segundo a opinião de muitas pessoas proeminentes e de parcela relevante da sociedade brasileira:

III – ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;
IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;
IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;
XII – é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;
XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;
XV – é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens;
XVI – todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente;
XX – ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado;
XXXIII – todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;
XXXVII – não haverá juízo ou tribunal de exceção;
XXXIX – não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal; XLI – a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades;
XLIX – é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;
LII – não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião;
LIII – ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente; LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
LVI – são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos;
LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;
LX – a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem;
LXI – ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei;

5.2. AMEAÇAS AOS OBJETIVOS NACIONAIS RELACIONADOS AO PAÍS

Não temos aliados eternos, e não temos inimigos perpétuos. Nossos interesses são eternos e perpétuos, e nosso dever é defendê-los.
(Henry John Temple, 3rd Viscount Palmerston, Primeiro Ministro inglês 1855-1858 e 1859-1865. Trecho de discurso na House of Commons, 1 de março de 1848)

A frase de Lord Palmerston no caput, embora proferida no contexto do Reino Unido no século XIX, tem aplicação universal e é atemporal. Países não tem amigos nem inimigos eternos. O amigo de hoje pode ser o inimigo de amanhã e vice-versa. Em cada momento histórico, são os objetivos e interesses nacionais que devem servir de referência para identificar as ameaças.
Na seção 4 definiu-se que os principais objetivos nacionais, no nível do país, seriam independência, soberania e desenvolvimento.
As ameaças mais presentes ao alcance desses objetivos, ao longo de toda a história da humanidade, têm sido representadas por atores estatais, dotados de capacidade militar. Esta, é invariavelmente usada para alcançar objetivos políticos, seja por meio de pressões de toda a natureza (diplomáticas, bloqueios econômicos, etc), até chegar ao ponto de ações militares pontuais (bloqueios de portos, destruição de instalações, morte de líderes políticos, ou de pessoas chave em programas militares estratégicos, etc.) e, no limite, à guerra. Uma regra de ouro do planejamento da defesa para esse tipo de contingência é de que não se deve atribuir probabilidades a eventos futuros. Tudo o que for possível, mesmo que considerado muito improvável, deve ser considerado no planejamento. Portanto, o preparo da capacidade militar de um país como o Brasil continua tão atual e necessário como sempre.

Entretanto, modernamente, um novo tipo de ameaça, bem mais sutil e insidioso, tem sido frequente. Trata-se do que se convencionou chamar de guerra híbrida, com a particularidade de que ela não parte apenas de atores estatais atuando à “luz do dia”. Organizações estatais da área de inteligência e “privadas”, financiadas por bilionários e governos, e organizações multilaterais atuam dentro dos países, sob a capa de causas nobres (defesa da democracia, da diversidade, da correção de injustiças históricas, dos direitos humanos, da proteção do planeta, etc.), que, na maioria das vezes, esconde outros interesses, sejam eles de natureza comercial, ou geopolítica, ou outros. Além desses instrumentos organizacionais, a guerra híbrida também é travada no espaço cibernético e nas páginas e nas telas da mídia tradicional.

As justificativas para aprovação do projeto de lei 1659/2024, aborda esse tipo de ameaça. Por este motivo, parte delas foi utilizada livremente para compor o texto que se segue, com algumas alterações e acréscimos.

A defesa da soberania nacional tem sido negligenciada nos últimos anos, soterrada por propaganda antinacional massiva servindo a interesses econômicos estrangeiros. Defender a soberania de nosso país nunca foi, nem deveria ser considerado uma bandeira de determinado espectro ideológico, mas sim de patriotas que prezam pelo futuro de nossos filhos.

Todas as nações têm o interesse legítimo de ampliar o mercado de suas empresas e o controle de matérias primas no planeta. Os países que não buscam ao menos proteger as suas já foram dominados por forças internacionais. Dono das maiores reservas minerais e maiores áreas agricultáveis do mundo, além de um resto de capacidade industrial ainda capaz de fabricar aviões com a Embraer, o Brasil tem que se resguardar.

Muitas vezes o tamanho continental do Brasil e nossa rica vida interna nos fazem negligenciar os cuidados necessários com os interesses internacionais em nossas riquezas. Não basta ao Brasil trabalhar por seu desenvolvimento, ele também tem que proteger esse esforço de interferências estrangeiras. Relações internacionais não se guiam por identidades ideológicas, mas por interesses econômicos, e as únicas pessoas que podem defender os nossos interesses econômicos somos nós mesmos, brasileiros.

Devemos ter sempre em mente que a nenhum país industrializado interessa o desenvolvimento de nossa indústria e tecnologia, pois isso significa perda de mercado para eles. A nenhum país agrícola interessa os baixos custos de nossa agricultura, pois isso significa dificuldades para eles manterem o mínimo aparato agrícola em seus países com a consequente segurança alimentar.
Vemos todos os dias a defesa de setores estratégicos pelas maiores economias do mundo, como a taxação norte-americana sobre nosso aço e a resistência da União Europeia em assinar um acordo de livre comércio com o Brasil e seus produtos agrícolas. Ou com a guerra comercial dos EUA com a China, nas medidas norte-americanas contra a venda da Qualcomm e a expansão da Huawei e do Tik Tok.

A tensão crescente entre os Estados Unidos e a China revelou as vulnerabilidades das cadeias globais de suprimento e as consequências da guerra comercial entre as duas maiores economias do mundo. O Brasil, como uma economia emergente com forte dependência de exportações para ambos os mercados, precisa proteger suas empresas de impactos negativos.

Mas, na contramão do mundo, o Brasil tem entregado setores estratégicos de alta tecnologia para outros países. Nota-se um movimento crescente de aquisição por empresas estrangeiras de ativos estratégicos brasileiros, como é o caso da tentativa frustrada de compra da Embraer pela Boeing, da venda, em andamento, da AVIBRAS, empresa nacional estratégica de defesa nacional que produz um dos mais eficientes mísseis de longo alcance do mundo para a estatal chinesa Norinco, e das vendas recentes da Condor e da SIAT, de nossa combalida indústria de defesa. Mas não é só a perda de controle dessas empresas que deve ser objeto de preocupação. A falência de empresas estratégicas de defesa, como foi o caso da Engesa, por falta de ações adequadas do Estado em relação a elas, enfraquece a defesa do país.

Não se trata absolutamente de ideologia, mas sim de defesa do interesse nacional. No auge da era Reagan, em 1988, foi aprovado nos EUA o Omnibus Foreign Trade and Competitiveness Act, para aumentar a competitividade da indústria americana e criar barreiras protecionistas contra outras nações. O ato concedeu ao presidente norte-americano a autoridade para negociar diretamente acordos comerciais e impor tarifas alfandegárias adicionais quando necessário para proteger os interesses comerciais dos EUA.

Já recentemente, a União Europeia implementou medidas que dificultam a entrada de produtos agrícolas brasileiros sob a justificativa de preocupações ambientais e sanitárias. No entanto, sabemos que essas barreiras são meramente protecionistas, prejudicando nosso agronegócio. O protecionismo aumenta em todo o mundo, enquanto as economias mais produtivas promovem discurso de abertura de mercados.

Conceitos como nearshore, friendshore e onshore vêm moldando a geopolítica global, com países buscando diversificar suas cadeias produtivas e reduzir a dependência de parceiros instáveis. Para o Brasil, há uma oportunidade de se beneficiar dessas tendências, mas isso requer uma legislação robusta que proteja a soberania, ao mesmo tempo que encoraje investimentos estratégicos que respeitem nossos valores e interesses.

Não só no campo da disputa comercial, a defesa do interesse nacional hoje se faz imperativa na internet e redes cibernéticas, com a disseminação de aplicativos de celular que roubam dados, e, principalmente, das redes sociais que fazem sua coleta para interesses próprios, permitindo desestabilizar governos por todo o mundo na guerra híbrida. A Huawei, empresa chinesa desenvolvedora do 5G, prevê que seu advento tornará possível controlar à

distância nossos aparelhos eletrodomésticos e até mesmo robôs. Neste contexto, é digna de nota a recente advertência do empresário Elon Musk, em face dos problemas ocorridos com urnas eletrônicas nas eleições em Porto Rico. Os inúmeros problemas ocorridos só puderam ser detectados porque a votação também foi feita usando cédulas em papel. Para Elon Musk, que tem uma empresa dedicada a desenvolver aplicações de Inteligência Artificial, e conhece muito bem o potencial dessa tecnologia, as urnas eletrônicas deveriam ser banidas. Isto porque, embora o risco de erros e fraudes atualmente possam ser baixos, as consequências para o processo democrático são incomensuráveis, inclusive com a possibilidade de manipulação da preferência dos cidadãos por potências estrangeiras. Ora, eventos de baixa probabilidade, mas de custos enormes, caso se concretizem, devem merecer alta prioridade para ações voltadas para garantir segurança. Ainda segundo Elon Musk, empresário, que atua no setor, e, portanto, tem isenção para apontar os riscos que serão gerados para a sociedade pelos produtos que ele próprio desenvolve e comercializa, com o aumento inexorável das capacidades da Inteligência Artificial esse risco aumentará exponencialmente em futuro próximo. Portanto, esse é um problema de segurança nacional de extrema relevância.

Por fim chegamos em uma das maiores ameaças à nossa soberania hoje, a proliferação descontrolada de Organizações Não Governamentais internacionais e seus recursos financeiros em território nacional. Este ano o IPEA publicou estudo mostrando que as Organizações da Sociedade Civil passaram de 238.483 em 1990 no país para 815.676 em 2020.

O estudo não revela, no entanto, quais dessas organizações são Organizações Não Governamentais, e, menos ainda, quantas são internacionais. Também não revela qual o volume de recursos estrangeiros que movimentam. O levantamento desses dados é muito difícil por conta da camuflagem que fundações famosas conseguem, abrindo filiais no Brasil e financiando outras Organizações Não Governamentais menores, de origem nacional. O poder das Fundações Internacionais em manipular a vida política nos países é muito grande. Ranking dos cem maiores patrimônios de fundações no mundo, indica um capital total das 100 maiores de US$ 658 bilhões.

Nos últimos anos, foi amplamente noticiado pelos veículos de imprensa o financiamento por parte de investidores ligados ao poder decisório de países terceiros a Organizações Não Governamentais que, posteriormente, repassaram parte significativa dos recursos a organizações vinculadas a causas político-partidárias. Importa relembrar que o recebimento de recursos por parte de partidos e governos estrangeiros é vedado pela legislação brasileira.

6. INSTRUMENTOS PARA PROVER SEGURANÇA NACIONAL
A regra de ouro para um planejamento competente de defesa é aceitar, como dadas. as incertezas da política, interna e externa e, também, a vasta gama de influências potencialmente perturbadoras que se escondem permanentemente na natureza da estratégia em todas as suas dimensões. (Collin S. Gray. “Strategy and Defence Planning: meeting the challenge of uncertainty”, pp 26)

Diferentes tipos de ameaças que podem gerar contingências que representem óbices ao alcance dos objetivos nacionais inegociáveis, foram identificados na seção 5.
Entretanto, como já ressaltado antes, há muitas coisas que desconhecemos. Na realidade, existem coisas das quais somos tão ignorantes, que nem mesmo sabemos que as desconhecemos e, finalmente, existem coisas que acreditamos que conhecemos, mas, na

verdade, desconhecemos. Esse é um dado de realidade, que exige muita cautela, com o qual toda estratégia tem que lidar.
Nesta seção se procurará identificar os instrumentos com que o Estado precisará contar para enfrentar os vários tipos de contingências que podem vir a ser geradas pelas ameaças identificadas.

A abordagem aqui será, pois, definir objetivos de segurança (onde se pretende chegar) e identificar o que será necessário para enfrentar essas contingências. Ou seja, “como” enfrentar as ameaças. Existem dois tipos de componentes que são comuns a todos os sistemas concebidos para enfrentá-las: uma estrutura de comando e controle e os recursos adequados a enfrentar cada tipo de contingência.

A estrutura de comando e controle tem como função monitorar o ambiente, a fim de detectar situações que exijam resposta do Estado, planejar a resposta usando os recursos adequados e executar as ações necessárias para enfrentar a contingência. Para detectar anormalidades essa estrutura deve contar com uma rede de sensores adequada. Outra característica dessa estrutura é que, para cada contingência a ser enfrentada tem que existir um claro responsável por resolver o problema. Ou seja, uma autoridade a que todas as outras deverão estar subordinadas e atuar fornecendo meios, ou executando ações que lhes sejam designadas. Essa característica implica em que, normalmente existirá uma estrutura hierárquica, na forma de uma estrutura matemática de árvore, com várias ramificações, em que o topo é representado pela autoridade máxima, responsável por enfrentar o problema específico. A implicação é que essa rede deverá estar interligada por recursos de comunicações para o trânsito de informações e ordens de execução de ações.

Os recursos adequados dependem da contingência e sua disponibilidade e prontidão para uso precisam ser conhecidas pela estrutura de comando e controle. Normalmente isso é conseguido com o uso de bancos de dados atualizados continuamente.

Em resumo, existem três componentes fundamentais em qualquer estrutura concebida para enfrentar contingências: uma pessoa com responsabilidade e autoridade para resolver o problema, um sistema de comando e controle, dotado de sensores, recursos de comunicações e bancos de dados com informações sobre os recursos existentes para enfrentar a contingência e sobre o ambiente (ameaças e cenário).

6.1. INSTRUMENTOS PARA PROVER SEGURANÇA INDIVIDUAL AO CIDADÃO

Serão considerados quatro tipos de contingências:

a) as representadas por atividades criminosas comuns (roubos, agressões, sequestros, estupros, assassinatos, invasões de propriedades urbanas e rurais, corrupção de agentes públicos, etc.).
b) as representadas pela existência de áreas do território nacional controladas por organizações criminosas armadas
c) as presentadas por catástrofes naturais, incêndios e desmoronamentos de construções
d) as representadas por ações de agentes públicos

6.1.1. CONTINGÊNCIAS REPRESENTADAS POR AÇÕES CRIMINOSAS COMUNS

Objetivo principal: reduzir significativamente os indicadores de crimes contra as pessoas, propriedades e empresas.
Essas contingências são tratadas pelas estruturas de segurança pública nos estados (polícias militar e civil), suplementadas pelas estruturas dos municípios (guardas municipais). No nível federal existem as corporações das Polícias Rodoviária e Federal para combate a crimes específicos. Situações que requeiram ações são identificadas através telefones de emergência (191), uso de informantes, escutas telefônicas, câmeras de vídeo espalhadas pelas cidades, denúncias de cidadãos, órgãos de fiscalização (defesa do consumidor, etc.). Para alguns tipos de crimes, o nível federal pode atuar, usando a Polícia Federal.

6.1.2. CONTINGÊNCIAS REPRESENTADAS POR CONTROLE DE PARTES DO TERRITÓRIO NACIONAL POR ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS ARMADAS

Objetivo principal: eliminar totalmente o controle de qualquer parte do território nacional por organizações criminosas armadas.
Nenhum Estado pode tolerar esse tipo de situação no território sob sua jurisdição. Essas situações devem ser encaradas da mesma forma que agressões militares por atores externos e tratadas da mesma forma, com o uso de força.

Com base em um arcabouço jurídico adequado, uma estrutura de comando e controle deve ser organizada e a autoridade designada para resolver o problema deve contar com recursos existentes nas FFAA, nas polícias federais, estaduais e municipais e corpo de bombeiros.

6.1.3. CONTINGÊNCIAS REPRESENTADAS POR CATÁSTROFES NATURAIS, INCÊNDIOS E DESMORONAMENTOS DE CONSTRUÇÕES.

Objetivos principais: diminuir significativamente a quantidade de ocorrências que coloquem vidas humanas e propriedades em risco; atuar rapidamente no início das contingências para tentar evitar seu agravamento e cuidar dos afetados durante e após as contingências, procurando recuperar, ou pelo menos mitigar as perdas sofridas.

A estratégia mais eficaz para esses tipos de contingências é cuidar da prevenção. Restrições para ocupação de áreas sujeitas a elevado risco, obras de contenção de deslizamentos, e de liberação de caminhos dos fluxos de água, regras mais rígidas para construções em áreas sujeitas a risco, campanhas de vacinação contra doenças, obras de infraestrutura de saneamento e fornecimento de água potável de qualidade, entre outras.
Em segundo lugar, o monitoramento constante da estabilidade de terrenos e de construções, de inícios de incêndios, do clima, de doenças, etc.
A resposta a esse tipo de contingências vai depender muito da sua extensão e gravidade. As estruturas de comando e controle podem estar nos níveis municipal, estadual ou nacional.

As últimas calamidades de grande porte que o Brasil tem enfrentado indicam a necessidade de uma estrutura de comando e controle fixa, a nível nacional, para cuidar de contingências dessa natureza, cuja gravidade e extensão ultrapasse a capacidade dos estados e municípios atingidos. Uma estrutura desse nível poderia adotar vários níveis de alerta, adequados aos vários níveis de resposta que a crise pode exigir.

Um sistema de comando e controle a nível nacional ligaria as várias estruturas em nível federal, estadual e municipal existentes.
Os recursos disponíveis encontram-se nas FFAA, estruturas existentes para defesa civil (barracas, botes, viaturas, cozinhas e hospitais de campanha, etc.), Corpos de Bombeiros, polícias militares e civis, órgãos para realização de obras públicas e suas manutenções (tratores, guindastes, viaturas, etc.), prédios públicos utilizáveis para habitação provisória (escolas, instalações esportivas, etc.).

6.1.4. CONTINGÊNCIAS REPRESENTADAS POR ABUSOS DE AUTORIDADE POR AGENTES PÚBLICOS

Objetivo principal: garantir todos os direitos constitucionais dos cidadãos e retirar de suas funções e punir exemplarmente, para evitar arroubos futuros, os agentes públicos que cometerem abusos de autoridade contra os cidadãos.

Não se espera que existam ditaduras, nem abusos de autoridade por agentes públicos em uma democracia. Mas, no mundo real esses problemas existem e são mais comuns até do que sua ausência. Como eles atingem direitos fundamentais dos cidadãos, que são a base de uma ESN, eles não podem ficar sem resposta.

Entretanto, como é o Estado a origem do problema, caímos em um dilema.
Não é possível contar com a autocontenção dos que cometem abuso. Instituições democráticas, que têm como fundamento a separação entre três poderes (executivo, legislativo e judiciário), teoricamente teriam condições de mitigar esses problemas. Mas, a experiência indica que é frequente o conluio entre esses poderes (o caso da Venezuela é bem emblemático a esse respeito) e essa contenção só pode ser feita quando existe plena liberdade do povo escolher seus representantes (ou seja, tendo a possibilidade de substituir os que cometem abusos), sem interferência de qualquer espécie de nenhum desses poderes.

Assim, os principais instrumentos para lidar com esse tipo de contingência são:
a) Um sistema eleitoral transparente e confiável, com possibilidade de auditoria real da contagem pública de votos (só possível com a existência de votos em papel, de acordo com as boas práticas internacionais);
b) Uma descentralização da autoridade para executar o processo eleitoral, com separação dos poderes para legislar, organizar, controlar a realização das eleições e julgar infrações cometidas por candidatos e partidos durante o processo eleitoral;
c) Uma simplificação das regras para que qualquer cidadão participe de eleições.
Esses instrumentos não são exaustivos. Provavelmente outras mudanças em legislações que organizam a criação e funcionamento de partidos políticos possam ser necessárias, ou pelo menos desejáveis, para colocar o cidadão no comando da política e, portanto, do seu próprio destino.

6.2. INSTRUMENTOS PARA PROVER SEGURANÇA DO PAÍS
Serão considerados dois tipos de contingência:
a) Conflitos armados tradicionais com atores estatais;
b) Guerra híbrida envolvendo atores estatais, privados ou de organizações

6.2.1. INSTRUMENTOS PARA ENFRENTAR CONFLITOS ARMADOS
Objetivos principais: desenvolver e sustentar capacidade militar que represente efetivo poder de dissuasão e ser capaz de enfrentar as ameaças possíveis no caso de conflitos armados; e atuar, no plano diplomático, de forma a procurar evitar a escalada de qualquer conflito e buscar apoio internacional (alianças) no caso disso não ser possível

Para enfrentar conflitos armados o país necessita possuir capacidade militar equivalente à de seus potenciais inimigos.
Recente trabalho publicado pela FIESP3, aponta uma estratégia para o desenvolvimento e sustentação da capacidade militar que o Brasil necessita. Partes desse trabalho serão usadas a seguir.

Capacidade militar só pode ser valorada em termos de proficiência efetiva em combate nas contingências possíveis que o país possa vir a ter que enfrentar. Essas, podem ser caracterizadas, de uma forma muito simplificada, como uma combinação de tarefas (tipos de emprego tático de unidades militares), ameaças (as unidades militares dos inimigos) e cenários (geografia; condições climáticas; ambiente urbano ou rural; existência, ou não. de aliados com que se possa contar; etc.). O acrônimo TAC (tarefa/ameaça/cenário) serve para identificar cada uma das situações em que a capacidade militar poderá ser usada.

Países com grande poder potencial (expresso por extensão territorial, população e economia) como o Brasil, possuem enormes riquezas a preservar e muitos interesses a defender, com provável oposição de outros no Sistema Internacional. Por isso, não têm como opção depender de outros para construir seus sistemas de defesa. Mas, para esses países, capacidade militar tem dois componentes essenciais: a capacidade operacional de combate (ou capacidade militar propriamente dita) e a capacidade de logística de defesa.

Logística de defesa, em um sentido mais estrito, diretamente ligado à capacidade operacional de combate, é a atividade que se destina a fornecer os meios (sistemas de armas) para compor as unidades militares de combate e sustentar seu emprego, quando e onde necessário.
Fornecer meios significa ter capacidade industrial e de inovação para identificar necessidades derivadas das ameaças atuais e futuras, conceber soluções inovadoras de meios de combate para enfrentá-las, desenvolver essas soluções, manufaturar, testar e avaliar e preparar para o uso (treinar usuários e ajudar a manter os meios).

Sustentar emprego significa, entre outras coisas, ter uma capacidade produtiva suficiente para fornecer os consumíveis (combustíveis, alimentos, peças de reposição, munição, medicamentos, etc.) e recuperar os recursos materiais (sistemas de armas) e humanos que tenham perdido sua condição de emprego em combate, devido a causas naturais ou ao atrito natural da guerra.

É importante ressaltar que a logística de defesa tem dois lados: um lado da oferta, representado pela BID e um lado da demanda, normalmente representado por uma organização do Estado, responsável pelas atividades de inovação, pesquisa e desenvolvimento (P&D) e aquisição de produtos de defesa e pela gestão de políticas industriais e de ciência, tecnologia e inovação (CT&I) específicas para defesa. Esse conjunto, envolvendo oferta e demanda, constitui

3 Federação das Indústrias do Estado de São Paulo – FIESP. Política Industrial e Tecnológica para a Defesa Nacional. São Paulo, dezembro de 2022.

um sistema único que deve trabalhar de forma sinergética e integrada, visando ao desenvolvimento e sustentação da capacidade militar. Como não existe um nome consagrado para designar esse sistema, usaremos a designação Base Logística de Defesa (BLD).

Um fato importante a destacar é que não existe capacidade militar efetiva sem esses dois componentes. Isto porque, a capacidade operacional de combate de uma unidade militar depende de muitos fatores que podem ser resumidos em quatro grandes categorias:

a) Estrutura das unidades – efetivo, treinamento, liderança, organização, informação, interoperabilidade.
b) Modernidade – grau de sofisticação e atualização do agregado tecnológico (sistemas de armas, equipamentos, instalações) e, também, doutrina e tática, todos adequados às ameaças possíveis.
c) Prontidão – o fato de a unidade estar pronta para cumprir a missão para a qual foi projetada. Ou seja, ter os seus meios materiais e humanos disponíveis para pronto emprego (aprestada).
d) Sustentabilidade – a capacidade de manter o nível de prontidão durante a atividade operacional.

Modernidade e sustentabilidade dependem diretamente da capacidade de logística de defesa. Para ter essa capacidade o país deve desenvolver e sustentar unidades fabris (indústrias) e institutos de ciência, tecnologia e inovação (ICT) específicos para defesa, conhecidos, no seu conjunto, como Base Industrial de Defesa (BID).

Em resumo, a capacidade militar de um país é provida por dois Instrumentos de Defesa muito diferentes em todos os aspectos que se possa considerar: as Forças Armadas (FFAA), responsáveis por prover a capacidade operacional de combate e a Base Logística de Defesa, responsável por prover a capacidade de logística de defesa, abrangendo tanto o lado da oferta como o da demanda.

É importante salientar que existem diferenças significativas entre esses dois sistemas (FFAA e BLD), no que diz respeito às atividades e aos ambientes em que são desenvolvidas, aos recursos humanos usados, aos processos e condições de trabalho e às instalações e bens de capital que necessitam. Essas diferenças tem impactos diretos nos tipos de organização e culturas organizacionais mais adequadas a cada tipo de atividade. Por esse motivo, em praticamente todos os países que possuem capacidade militar relevante essas atividades são executadas por organizações diferentes e independentes entre si, normalmente subordinadas ao Ministro da Defesa.

A FIESP propõe que um objetivo estratégico para a defesa é alcançar autossuficiência em capacidade de logística de defesa estratégica:
“Alcançar, em um período de 24 anos (correspondente a seis períodos de governo) uma significativa autossuficiência em altas e média altas tecnologias críticas para o desenvolvimento de produtos de defesa considerados estratégicos e a criação e/ou consolidação das empresas estratégicas, capazes de conceber, desenvolver, fabricar e manter esses produtos.”

O texto da FIESP apresenta propostas e arranjos institucionais para atingir esse objetivo estratégico, na forma de um road map com vários passos que serão resumidos a seguir.

Passo 1: Criar um órgão do Estado (Agência Brasileira do Armamento e Sistemas de Defesa – ABASD), independente, e no mesmo nível hierárquico das FFAA, subordinado diretamente ao Ministro da Defesa, altamente profissional e qualificado para cuidar da Logística de Aparelhamento das FFAA e da Logística para o Desenvolvimento e Sustentação da BLD (logística de defesa estratégica).

Passo 2: Aprovação de legislação específica para permitir ao Estado desenvolver e sustentar empresas estratégicas de defesa.
O objetivo estratégico definido jamais poderá ser alcançado se não existir uma infraestrutura industrial e tecnológica adequada para enfrentar o enorme desafio que ele representa.

A capacidade industrial e tecnológica do país como um todo pode contribuir para a sua capacidade militar e representa uma base onde se apoiar, mas ela não é suficiente e obedece a uma lógica muito diferente da que se aplica a grande parte de produtos realmente estratégicos para defesa.
Parte significativa da BID, do ponto de vista de relevância para desenvolver e sustentar emprego de capacidade militar, é composta por empresas que atuam em um mercado monopsônico, tendo o Estado como único cliente (exportações podem ajudar, mas não garantem mercado), para produtos que o próprio cliente define e especifica. Esta parte, constituída pelas EED, é a mais importante da infraestrutura industrial para defesa e é para ela que esta proposta está voltada prioritariamente. Entretanto, é preciso alertar que os critérios atualmente usados pelo MD para classificar uma empresa de defesa como estratégica são muito frouxos. Basicamente visam apenas à questão da isenção tributária, sem qualquer outro compromisso com o desenvolvimento e sustentação da empresa.

Esta proposta assume que o Estado é o responsável final pelo desenvolvimento e sustentação de empresas que sejam consideradas estratégicas.
Nesse sentido o projeto de Lei 1659/2024, seria um primeiro grande passo, pois define, no seu artigo 6º que:

“O Poder Executivo Federal poderá opor-se, nos termos do art. 7º desta Lei, à realização de operações das quais resulte a aquisição de controle, direto ou indireto, por uma pessoa ou pessoas de países terceiros, sobre ativos estratégicos, independentemente da respectiva forma jurídica, nos casos em que considere que esses ativos possam pôr em risco, de forma real e suficientemente grave, a defesa e soberania nacional ou a segurança do aprovisionamento do País em serviços fundamentais para o interesse nacional, nos termos da presente Lei”. Situações com as que passa a Avibras, por exemplo, poderiam ser evitadas.

Certamente que outras partes da BID, não classificadas como estratégicas (segundo o conceito aqui adotado), que são importantes, mas não têm total dependência do Estado para sobreviver, também merecem atenção por parte do Estado e legislação que favoreça seu desenvolvimento e sustentação. Mas, essa legislação deve ser mais voltada para questões de isenções tributárias e de financiamento de vendas e não para garantir seu desenvolvimento e sustentação, como é o caso das EED. As legislações existentes atendem em grande medida a essas necessidades. Embora melhorias sejam desejáveis, elas não serão abordadas.

Passo 3: Viabilizar o financiamento dos investimentos necessários para alcançar o objetivo estratégico

Existem vários instrumentos adequados que devem ser usados simultaneamente para viabilizar o financiamento dos investimentos necessários para alcançar o objetivo estratégico estabelecido. A adoção de qualquer um deles já acarretará efeitos positivos relevantes, embora possam não ser suficientes para alcançar o objetivo estratégico.

A mais importante é a adoção de uma lei orçamentária militar específica para viabilizar um orçamento plurianual para defesa, não contingenciável, nos moldes das que existem em vários países, como, por exemplo, a Lei da Programação Militar da França, que tem vigência de seis anos e garante o fluxo de investimentos nesse período.

Na situação brasileira, um período de quatro anos, iniciando no terceiro ano de um governo e terminando no segundo ano do governo seguinte seria interessante, para dar mais estabilidade ao processo. Algo semelhante ao que existe para a gestão do Banco Central. Os dois primeiros anos de cada governo seriam dedicados a preparar a próxima lei orçamentária militar, enquanto a vigente, preparada no governo anterior, é executada.

É importante que se estabeleça um percentual elevado do orçamento de defesa para investimentos, adotando-se todas as medidas possíveis para que isso possa ser viabilizado. Algumas das medidas apresentadas a seguir podem contribuir significativamente para que esse objetivo possa ser atingido.
No caso do Brasil, tendo em vista a dimensão do desafio representado pelo objetivo proposto, um percentual de 30% do orçamento de defesa alocado para investimentos pode ser considerado como o mínimo que seria necessário.

A segunda medida seria a já mencionada criação da ABASD, com a concomitante desativação ou redução de escopo das organizações militares que desenvolvem ações de logística de defesa estratégica (P&D, aquisições, políticas industrias e de CT&I para defesa, manutenções de segundo a quarto escalões, etc.). Essa medida reduzirá o custo fixo e também permitirá redução de efetivos das FFAA.

Outra medida muito importante, que já vem sendo praticada, é aumentar o uso de militares temporários (por exemplo, por períodos de dez anos) para executar funções operacionais nas FFAA e na própria ABASD, criando uma categoria especial de militares, sujeitos apenas ao regime previdenciário geral. Um problema a ser considerado é a da realocação posterior dessas pessoas em outras atividades na vida civil. Um pequeno percentual desses militares, representado pelos que mais se destacarem e mostrarem elevada aptidão para permanecer na vida militar, poderia, eventualmente, passar para a carreira militar permanente, transferindo seus tempos de serviço já realizados. Para os demais, seria necessário investir em programas de qualificação para atividades que sejam muito demandadas pelo setor civil e montar um sistema de alocação de mão de obra em atividades civis. Tal medida reduzirá significativamente o custo do sistema previdenciário dos militares, porque esses profissionais estariam contribuindo e contando tempo para o regime geral de previdência oficial e não onerariam o orçamento de defesa quando se aposentassem. Adicionalmente, constituiriam força de reserva muito mais qualificada do que a provida pelo sistema de serviço militar obrigatório, que tem duração de apenas um ano. Resultado: menor custo e maior eficácia operacional de combate.

Uma terceira medida muito relevante é a criação de um fundo para uso exclusivo em investimentos em defesa, que possa ser utilizado pela ABASD para P&D, capacitação de EED e empresas de interesse da defesa em geral e garantir continuidade dos investimentos em aquisição de produtos para as FFAA. Neste último caso, através de empréstimos às FFAA que teriam que repor esses valores com recursos orçamentários em anos posteriores.
Este fundo poderia ser alimentado com royalties de exploração de recursos naturais, venda de ativos ociosos da União, em especial das próprias FFAA, por dotações orçamentárias, por investimentos para capitalização de empresas, pelo recebimento de juros decorrentes de investimentos e empréstimos efetuados para empresas e rendimentos de royalties devidos pelo uso de patentes de produtos e tecnologias que forem desenvolvidos com financiamentos públicos. Esse fundo poderia ser gerido por uma organização semelhante à FINEP, mas subordinada ao MD, diretamente, ou via ABASD.

Todas essas medidas requerem legislação específica a ser aprovada pelo Congresso.

6.2.2. INSTRUMENTOS PARA ENFRENTAR AMEÇAS DE GUERRA HÍBRIDA
Objetivo: impedir que agentes externos atuem livremente no território nacional contra objetivos e interesses nacionais
A guerra híbrida apresenta normalmente uma natureza dissimulada e abrange inúmeros domínios: cibernético, telecomunicações, midiático, ações de inteligência (espionagem ou ativas), educacional (moldando a mentalidade dos cidadãos), psicossocial (criando cizânia, ou espírito derrotista), diplomático, econômico (sanções, restrições, pressões), infiltração de agentes em instituições do Estado, etc.
Portanto, uma estratégia de segurança nacional para enfrentar esse tipo de contingência mereceria um documento à parte e muito mais amplo.
Serão aqui abordados apenas três tipos de ameaças: espionagem, ataques cibernéticos e atuação de ONGs financiadas por capitais que servem a interesses estrangeiros.

Com relação a ONGs o projeto de lei 1659/2024 chega em uma hora muito oportuna. Ele estabelece, por exemplo, em seu artigo 4° que:
“As Organizações Não Governamentais deverão manter escrituração contábil, de forma a permitir o conhecimento detalhado da origem de suas receitas e a destinação de suas despesas.

§ 1° A cada ano contábil, as Organizações Não Governamentais, deverão apresentar perante o Poder Público, prestação de contas nos moldes do caput, que deverá ser disponibilizada em sítio oficial da rede mundial de computadores em forma de relatório contendo a indicação de valor, da origem e da moeda dos recursos recebidos pela organização.”

Falta definir qual seria a autoridade nacional com responsabilidade para resolver esse problema
Com relação à defesa cibernética, falta uma organização nacional, nos moldes de uma NSA americana, para cuidar desse assunto.

Finalmente, o Brasil está totalmente desguarnecido para enfrentar guerra híbrida no domínio da inteligência. Torna-se urgente a existência de um órgão do Estado para cuidar desse problema.