PROGRAMA DE GOVERNO – DEFESA NACIONAL

 

PROGRAMA DE GOVERNO – DEFESA NACIONAL

 

País pacífico, cuja constituição advoga a solução negociada dos conflitos, a única guerra com vizinhos em que o Brasil se viu envolvido foi contra o Paraguai em 1865. Todos os conflitos de fronteiras foram resolvidos em entendimentos bilaterais ou por arbitragem. O Brasil não está ameaçado por qualquer potência estrangeira que possa pôr em risco sua soberania. A sociedade brasileira, assim, não demonstra qualquer preocupação quanto aos riscos para a proteção de nosso território terrestre (fronteiras) e marítimo (plataformas de exploração de petróleo).  

Com esse pano de fundo, não é difícil explicar a falta de uma forte cultura de Defesa, como nos EUA, na Rússia e na Europa, e o baixo interesse do Congresso e da classe política sobre temas de interesse da Defesa. A ausência dessa cultura de Defesa explica, em grande parte, a dificuldade de obtenção de recursos públicos para a manutenção da capacidade operacional das três forças. As FFAA desempenham missões cívicas em todo o território nacional e, em grande parte, por isso, são altamente apreciadas pela população. 

O mundo, porém, está em constante transformação e as ameaças globais contemporâneas são de outra natureza e exigem uma reação adequada ao o tráfico de armas, de drogas, do terrorismo e da guerra cibernética.   A segurança das fronteiras brasileiras para impedir e controlar o crime transnacional, em especial na Amazônia, exige equipamentos modernos e adestramento especial. O Brasil não é uma ilha e não se pode esperar que sempre estaremos livres de ameaças de facções terroristas ou do crime organizado.

O CENTRO DE ESTUDOS DA DEFESA E SEGURANÇA NACIONAL (CEDESEN) tem como principais objetivos o de promover o debate de temas relacionados à defesa e à segurança nacionais do ponto de vista do interesse do Brasil, bem como estimular e divulgar, em caráter sistemático, ideias, ensaios, artigos e pesquisas sobre Defesa e Segurança do Brasil, pelos meios de comunicação mais efetivos, eficazes e adequados.

Dentro de seus objetivos, o CEDESEN preparou algumas propostas, em termos gerais, como contribuição para os programas de governos dos candidatos a presidência da República. Essas propostas estão concentradas em quatro aspectos: previsibilidade orçamentária, capacitação tecnológica e a Base Industrial de Defesa. Adicionalmente, poderiam também ser incluídas propostas sobre reformas institucionais e questões relacionadas aos recursos humanos para permitir a modernização do funcionamento e a operacionalidade das FFAA, que poderiam ser examinada em mais profundidade em uma segunda etapa.

 

DIRETRIZES

Lei orçamentária

Criar uma lei orçamentária plurianual, impositiva para o financiamento da defesa. O período poderia ser de 4 anos e sua aprovação se daria no segundo ano do mandato presidencial.

Importante ressaltar que essa medida irá viabilizar, pela primeira vez no Brasil, a realização de um planejamento de defesa que englobe vários ciclos interligados. Um ciclo de longo prazo (10-20 anos, inserido em uma Grande Estratégia para o país), onde as necessidades da capacidade militar futura são definidas em harmonia com outras necessidades afins, como as de desenvolvimento industrial e tecnológico, um ciclo de médio prazo (4 anos; coberto pela lei da defesa da Proposta 3), onde são assumidos os compromissos políticos para alocar os recursos para viabilizar os investimentos, e um ciclo de curto prazo (1 ano; execução do orçamento anual). Todos esses ciclos contam com a ativa participação do Poder Político. O grande problema é que 85,8% do orçamento da Defesa se destina a pagamento de pessoal e apenas 6.4% apoiam os investimentos, entre os quais, se destacam pela importância os projetos estratégicos. 

O sistema atual de anualidade e contingenciamentos é extremamente prejudicial para o planejamento da defesa em dois aspectos importantes. Implicam em atrasos nos cronogramas de investimentos e na elevação dos custos, o que agrava o problema.

Criar um fundo especial para financiar os investimentos em desenvolvimentos de produtos e tecnologias críticas de defesa.

Sua capitalização poderia se dar por um aporte inicial do Tesouro, gerando dívida pública (mas sem afetar o déficit fiscal, já que não seria uma despesa), como já foi feito com o BNDES no passado e recentemente com a EMGEPRON, para viabilizar o financiamento do projeto das fragatas classe Tamandaré. Outra possível fonte seriam os recursos obtidos com vendas de ativos das Forças Armadas ou do Governo Federal, considerados descartáveis, o que exigiria uma mudança de legislação relacionada à destinação de recursos obtidos com a alienação de ativos públicos. O segundo aspecto relacionado ao financiamento é o da garantia da sua previsibilidade e continuidade.

 

Capacitação Tecnológica 

Objetivo Estratégico e prioritário para o preparo da Defesa do Brasil:

Alcançar, em um período de 24 anos (correspondente a 6 períodos de governo) uma significativa autossuficiência (a ser detalhada) em altas e média-altas tecnologias críticas para o desenvolvimento de produtos de defesa considerados estratégicos (a serem detalhados) e a criação e/ou consolidação das empresas estratégicas (a serem definidas), capazes de conceber, desenvolver, fabricar e manter esses produtos.

 

Segundo dados da FIESP, a produção industrial do Brasil, depois de atingir um ápice de 21,8% do PIB em 1985, vem caindo sistematicamente desde então. Dados atuais mostram que em 2021 ela baixou para o patamar de 10,5%. Em termos relativos a outros países, a queda é ainda mais expressiva. Ainda segundo dados da FIESP, em 1980 o produto industrial brasileiro era equivalente a 117,3% da soma dos produtos industriais da China, Coréia do Sul, Malásia e Tailândia. Em 2011 esse percentual já havia baixado para 10%.

Os dados referentes a recursos humanos qualificados também não são favoráveis ao Brasil. Segundo dados da CIA, FMI e OCDE, em 2011 a quantidade de engenheiros e cientistas por 1.000.000 habitantes era de cerca de 500 no Brasil, enquanto em países como Suécia, Singapura, Noruega, Dinamarca, Finlândia e Japão, por exemplo, esse número é superior a 5.000.

Com fundamento no cenário acima esboçado, que justifica a aceitação da premissa de que o Brasil necessita aumentar urgentemente sua autossuficiência industrial e tecnológica para fins de defesa, as propostas que constam deste documento, que são de natureza pragmática e perfeitamente exequíveis, dependem apenas de vontade e decisões políticas e foram concebidas para viabilizar o alcance do seguinte objetivo estratégico para a defesa do Brasil.

Ressalte-se que o alcance deste objetivo também contribuirá significativamente para aumentar a competitividade brasileira em produtos de alta e média alta tecnologias para uso civil, e esta é uma relevante condição para elevar a renda per capita da população, abrindo um caminho para o país vencer a “maldição” da renda média.

 

Indústria Nacional de Defesa

Criar a categoria de Empresa Estratégica de Defesa, que atenda simultaneamente aos seguintes critérios:
Seja nativa (controlada por brasileiros);
Produza produtos de defesa que sejam estratégicos e críticos para a composição de unidades militares combatentes ou de comando e controle, ou seus insumos críticos;
Produza produtos de defesa estratégicos ou seus insumos críticos, que são controlados por outros países;
Dependa para sua sobrevivência das compras feitas pelo Estado (atuem em mercado monopsônico);
Tenham participação direta do Estado na sua governança, em particular em decisões que digam respeito a investimentos em P&D, política salarial, distribuição de benefícios, lucros e dividendos e saúde financeira;
Possam ter a sua sustentação garantida por verbas públicas, seja através de aquisições de produtos, contratação de serviços de P&D e manutenções, investimentos em instalações ou bens de capital, pagamento total, ou parcial, de salários ou de qualificação de pessoal qualificado, ou via capitalização.
Dependam de aprovação do Estado para sua dissolução, cisão, fusão ou venda.

 

Existem muitas indústrias que fornecem produtos de defesa menos complexos, tais como uniformes, armas e munições de pequeno porte, tintas, entre outros, que não necessitariam ser considerados estratégicos, porque têm um mercado civil relevante capaz de sustentar as empresas. O mercado para essas indústrias normalmente não possui características monopsônicas, nem monopolistas e essas empresas demandam menor atenção do Estado.
Produtos realmente estratégicos de defesa não são encontrados no “mercado”, porque, são submetidos a severos controles por parte dos Estados que dominam as tecnologias que utilizam. Adicionalmente, além de complexos, são caros e especificados sob medida para uso exclusivo das FFAA. Ou seja, as empresas que os fornecem operam em um mercado com características monopsônicas do lado da demanda (apenas um comprador). Da mesma forma, o elevado custo unitário desses produtos, e as sempre presentes limitações orçamentárias em tempos de paz, tornam impossível a um país como o Brasil sustentar mais de uma empresa com essas características, para um mesmo produto. O mercado para esse tipo de indústria, do lado da oferta, tem características de monopólio. Portanto, em todos os países, existe uma relação simbiótica entre essas empresas, que cuidam da oferta, e o Estado, que administra a demanda.
Este fato implica em que deve haver uma regulação e um controle mais rígidos do Estado sobre essas indústrias. Esta necessidade já havia sido apontada na primeira versão da Estratégia Nacional de Defesa, elaborada em 2008 e aprovada pelo Congresso em 2012, sem que nada tenha sido feito nesse sentido até hoje.
Para produtos estratégicos, não há alternativa senão desenvolver e sustentar, com elevada prontidão, uma base industrial específica para eles. Ou seja, o desenvolvimento e a sustentação das empresas de defesa realmente estratégicas, que correspondem ao “núcleo duro” da BID, é responsabilidade estatal, tanto quanto o desenvolvimento e sustentação das FFAA e, por isso, têm que estar contemplados no orçamento de defesa.

Rubens Barbosa
Presidente do CEDSEN